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Brasil de Carne e Osso

~ Debate sobre direitos civis, igualdade racial, diversidade e outros assuntos urgentes do Brasil real.

Brasil de Carne e Osso

Arquivos de Categoria: racismo

A ASCENSÃO DOS NEGROS NO BRASIL X O GENOCÍDIO DE JOVENS

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Posted by Helio Santos in cultura, Equidade Racial, Mulheres Negras, política, Protestos, Questão Racial, racismo, Radicalizar na democracia, Uncategorized, Visibilidade dos Negros

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Capa Folha de São Paulo publicado em 13/08/2018.

“Quase 500 mil pessoas que se declaram pretas e pardas ascenderam às classes A e B em 2017”. Essa frase de efeito, publicada pelo jornal Folha de S.Paulo do dia 13/8, abriu matéria de capa em que se estranhava tal crescimento em pleno momento de retração econômica. De fato, à primeira vista, chama a atenção, pois naquele ano cerca de 800 mil pessoas foram rebaixadas de seus estratos em função de uma das piores crises econômicas sofridas pelo Brasil. Mais: o fenômeno foi o único positivo entre todas as classes de renda. Ou seja, esse empoderamento econômico de negros e negras corre na contramão do Brasil de carne e osso, como chamo o país real aqui em nossa página.

Por outro lado, noutra direção, 17 dias antes (28/7) o mesmo jornal trazia outra notícia de capa tão impactante quanto a da ascensão de negras e negros. A Polícia Civil de São Paulo descobriu um plano do PCC – o Primeiro Comando da Capital – para recrutar cerca de 1.000 novos integrantes por mês. A campanha do grupo criminoso atende pelo nome de “adote um irmão”. Considerando a realidade das periferias brasileiras, apinhadas de jovens “Nem – Nem” – aqueles que nem estudam e nem trabalham -, o plano do PCC de recrutar 12 mil novos integrantes por ano pode ser considerado modesto. Segundo o Banco Mundial são cerca de 11 milhões de jovens na faixa etária de 15 a 29 anos e que raramente rompem o gargalo do ensino médio. A meta do PCC – 12 mil recrutas por ano – é cerca de 0,1% do número de “Nem – Nem” estimado pelo Banco.  Desnecessário dizer quem é a maioria desses recrutas, candidatos a morrerem antes de completar 30 anos. São jovens oriundos do que denomino “família de risco” – pobre, negra, periférica e geralmente liderada por uma mulher.

Não se reconhece, mas a ascensão às classes A e B, em larga medida, se deve às políticas afirmativas (Cotas Raciais) tão criticadas num passado recente. Em 1997, o grupo que eu coordenei no Ministério da Justiça, fez o primeiro encontro governamental para discutirmos essas políticas. O encontro ocorreu na cidade de Vitória (ES) e contou com especialistas do IPEA, Itamaraty, Ministério da Justiça e Educação, dentre outros. Diversos cenários foram desenhados: eu sempre defendi que as ações afirmativas trariam essa ascensão e que ocorreria  ao mesmo tempo uma onda de racismo mais visível, menos envergonhado. Precisamente o que se dá hoje na cena brasileira, mais de 20 anos depois. Nesse texto breve não cabe avaliar as variáveis que me fizeram projetar esse cenário antagônico. Aqui, o que me parece mais importante destacar é a ausência de políticas públicas para um grupo vulnerável superior às populações do Paraguai e do Uruguai juntas.

 Novas Políticas Afirmativas

 Hoje, a manutenção mensal de um presidiário está em torno de 2.400 reais. Já a manutenção anual de um jovem estudante do ensino médio é de 2.200 reais. Explicando: o custo de um encarcerado por ano equivale ao valor investido em 13 estudantes do ensino médio onde a tragédia dos “Nem – Nem” ganha corpo. Não se investe na juventude, pois prefere-se encarcerá-la depois. O tráfico oferece “oportunidade” real de trabalho com consequências catastróficas para as famílias de risco.

As políticas para esse colapso das esperanças desses jovens devem focar na criação de uma nova escola que propicie competências contemporâneas, período integral e bolsa em dinheiro para a retenção da juventude empobrecida no ambiente escolar. Simultaneamente, são necessárias políticas de apoio integral às famílias de risco, o que não se confunde com o Programa Bolsa Família.

 #NãoVoteNoInimigo

 Acabei de ver agora (dia 17/8) o debate dos candidatos à presidência pela Rede TV. Ninguém tem uma proposta efetiva para a sangria que ceifa as vidas de 63 jovens negros por dia. Qual partido – qual candidato – tem uma pista segura para reverter esse quadro? No passado recente, muitos foram silenciosos em relação ao furioso ataque sofrido pelas cotas raciais na universidade pública – a mais eficaz política pública para reduzir desigualdades no país. Hoje, enquanto as cotas raciais aproveitam os talentos outrora relegados, na outra ponta os homicídios matam 23 mil por ano.

Quem projeta os programas dos presidenciáveis são economistas. Estes seres sinistros jamais tentaram calcular o custo de oportunidade que o país paga por ceifar talentos; o que deveria ser a sua obrigação. A reversão desse genocídio exige estadistas; não tecnocratas que não pensam o país real. Ao que tudo indica, estamos diante de um deserto cuja aridez teremos que enfrentar.

O voto negro precisa funcionar. Eu chamo de “desvoto” o ato de boicotar os candidatos a postos majoritários que não tenham uma pauta específica para a maioria da população. O momento é de organização desse voto – o mais barato do mercado eleitoral, como reconheceu Jânio Quadros há mais de 50 anos. Não faz sentido empoderar aqueles que uma vez eleitos operam com especial zelo contra os seus direitos.

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Desigualdade, a marca do Brasil

Destacado

Posted by Helio Santos in Copa, cultura, Equidade Racial, esporte, Futebol, movimentos sociais, Mulheres Negras, Questão Racial, racismo, Uncategorized

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Brasil, congresso, desigualdade racial, evento, negros brasileiros, Política, questão racial, racismo

Nada demarca de forma mais devastadora o Brasil. Ela está em nosso DNA. Muitos falam dela, poucos a decifram. A sociedade brasileira já se acostumou com ela, mas nada chama mais a atenção das pessoas de fora que nos visitam.

O mais adequado seria falar em desigualdades – no plural -; identificando como cada tipo incide sobre a cidadania das pessoas e, muitas vezes, de maneira acumulativa onde múltiplas facetas oneram um único indivíduo.

Antes que algum analfabeto político, praga maior do momento que vivemos, diga que é mi-mi-mi falar sobre o que faz o Brasil ser o esgoto social a céu aberto que é, vale a pena observar como o mundo nos vê. Ou seja: fora do Fla – Flu que se tornou o nosso infeliz debate político.

Por ocasião da Copa que se findou, um âncora da rede CBC do Canadá suscitou uma questão ao “país do futebol”: Foram duas perguntas: “Por décadas, a cada quatro anos, o Brasil envia um esquadrão talentoso à Copa, que reflete sua população racialmente diversificada, mas os torcedores nas arquibancadas jamais o são. Por que isso nunca muda? Existe mudança no horizonte?”

International Friendly - Austria vs Brazil

Seleção Brasileira Rússia 2018

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Torcida Brasileira Rússia 2018

A segunda pergunta deveria ser o foco dos debates num ano eleitoral, pois se refere à maioria da população (55%). Ocorre que somos o país dos sorteios e loterias, mas no campo da cidadania não existem brindes: ou se conquista ou não se tem. Aqui, o eleitor negro (e empobrecido) é o único do mundo que elege os seus inimigos – sem exagero, é o que ocorre.

Câmara dos deputados

Câmara dos deputados

A desigualdade aqui possui 2 vetores básicos: tem cor em decorrência do processo histórico de 354 anos de escravismo, o que estigmatiza a maioria e tem sexo em virtude da feminilização da pobreza. Até o presente momento permanece inédita uma estratégia capaz de sustentar um movimento que faça o gigante Brasil caminhar com sustentabilidade sociorracial – precisamente porque isso significaria correr na contramão do que o País sempre foi e pretende continuar a ser. Uma sociedade que se autoatribuiu limites de forma a deixar amplas parcelas de seus cidadãos e cidadãs de fora. Não se trata de uma desigualdade fortuita, pois foi construída com zelo ibérico.

Claro; há quem veja este diagnóstico como pesado, racista às avessas, e que não leva em conta o mérito etc, etc. O pior cego aqui não é o que não quer ver, mas o que pensa que vê. Mesmo assim não ouso entender essa miopia como de boa-fé.

O agravante aqui são as não-soluções trazidas. Elas veem com as protelações que lembram as vezes em que se adiava a Abolição, até nos tornarmos os últimos a dar fim ao escravismo colonial. Ou seja: o racismo institucional tem um componente inercial que realimenta e fortalece as desigualdades consolidando o que na falta de outro nome denomino Dialética da Exclusão Brasileira. Não há à mão exemplo mais didático do que a destruição dos Direitos Sociais conquistados na CF de 1988. A famigerada Emenda Constitucional 95 não “congela” os gastos como se falou, mas estabelece um teto de gastos do Produto Interno Bruto (PIB) que vai declinando ao longo do tempo. Trata de asfixiar um paciente que já padecia de falta de ar. Todas as análises já evidenciam como esse desastre impactará indígenas e negros.

Ora, nem na Copa de 2014, que foi no Brasil, havia negros nas arquibancadas com ingressos com o preço beirando a um salário mínimo, como observou a CBC canadense. O horizonte indagado pelo âncora será tão menos sombrio a depender da movimentação que formos capazes de engendrar em 2018 e 2019.

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FUNDO PARA A CAMPANHA DAS CANDIDATAS NEGRAS

29 terça-feira maio 2018

Posted by Helio Santos in eleições, Mulheres Negras, política, Questão Racial, racismo, Radicalizar na democracia, Uncategorized, violência, Violência Racial, Visibilidade dos Negros

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Economia, eleições, mulheres negras, Política, racismo

Apesar do baixo-astral reinante na terra-brasilis, entrei em 2018 confiante: creio que pela primeira vez o Brasil irá decifrar a essência de suas desigualdades. Sem isso não é possível pensar num projeto de nação. As desigualdades aqui são infames e, todos sabemos, elas têm procedência histórica, cor e sexo. Mais: as desigualdades de raça e de sexo demarcam o esgoto social a céu aberto que o Brasil sempre foi, mas que, presentemente, tornou-se uma anomia social-moral insustentável.

Finalmente, parece que a “ficha caiu” para todas e todos! Alguns, aglutinados em seus nichos partidários, foram os últimos a ceder aos fatos: estamos por nossa conta e risco na luta para efetivar as mudanças estruturais desse país racista, misógino, homofóbico, classista – uma verdadeira máquina de moer cidadania. Quem entender que se trata de exagero – sempre há quem queira contemporizar -, considere o congelamento por 20 anos dos direitos sociais; a mortandade genocida dos jovens negros; o retorno de doenças que estavam extintas; o crescimento de 500% do encarceramento de mulheres negras. E, finalmente, a execução de Marielle Franco. A execução de Marielle foi um recado direto ao maior segmento da população brasileira: as mulheres negras. Já havia visto em 18 de novembro de 2015 um avant-premier desse filme: a marcha pacífica das mulheres negras foi recebida a tiros em Brasília. Mulher negra empoderada, reivindicando o seu devido espaço na esfera do poder é algo surreal para uma elite anacrônica e, porque não dizer aqui, também perigosa.

Toda essa conversa é para nos introduzir ao título acima: o STF decidiu que, pelo menos, 30% do Fundo de Financiamento de Campanha das próximas eleições deverá ir para as mulheres candidatas. Cerca de 1 bilhão e setecentos milhões de reais serão distribuídos aos partidos. 30% desse valor terá de ir para o custeio das campanhas das mulheres, cerca de 510 milhões de reais.

Fonte:MDB, PT e PSDB terão mais dinheiro do fundo eleitoral; veja divisão

A EDUCAFRO, com o meu absoluto apoio, entende que a metade desse valor destinado às mulheres nos partidos deve vir para o financiamento das candidaturas das mulheres negras. Ou seja: 255 milhões de reais. 51,8% (mais da metade) das mulheres brasileiras são negras.

Sem esse cuidado na repartição dos recursos, sabe-se que uma posição de neutralidade não alcança o objetivo pontificado pela Ministra Rosa Weber do STF que tomou essa decisão tendo como referência o princípio constitucional da IGUALDADE

Evidente que os partidos políticos podem exceder esse limite de 30% fixados pelo STF, considerando que os homens na sociedade brasileira têm mais acesso aos recursos para financiamento de campanha, fruto do tipo de sociedade que aqui se construiu. Apenas 10% da Câmara dos Deputados são de representação feminina – uma das mais baixas do mundo. Se considerarmos as mulheres negras isso beira à uma participação ínfima. Importante lembrar: as mulheres negras são o maior grupo da população brasileira!

Câmara dos deputados

Câmara dos deputados

Para que se tenha uma ideia de valor: o MDB – maior partido – receberá 234 milhões; o que significa cerca de 70 milhões para as mulheres dos quais 35 seriam para as candidatas negras. O PT, segundo maior partido na Câmara, deveria destinar às candidatas negras da legenda pelos menos 32 milhões de reais dos 212 que embolsará. Pela ordem, o PSDB, transferiria para as suas candidatas negras cerca de 28 milhões de reais. Partidos menores como PSB, PC do B, PSOL e PDT, deveriam, respectivamente, distribuir às suas candidatas negras os seguintes valores: 18 milhões; 4 milhões; 3,2 milhões e 9,2 milhões de reais.

Espera-se que ativismo negro independente cobre das lideranças partidárias, quase todas elas exercidas por homens brancos, eventualmente até judicialmente se for o caso, para que a metade dos recursos destinados às mulheres sejam canalizados paras as candidatas negras da legenda.

Por outro lado, nada nos impede que façamos um FUNDO NACIONAL PARA AS CANDIDATURAS NEGRAS, em que pessoas avulsas poderiam doar de cinco a 100 reais, por exemplo. Agora, já pensando num Fundo que alcançasse homens e mulheres negras. Além dos recursos financeiros, que têm barrado, historicamente, a eleição de negras e negros, uma campanha por fundos traria as famílias negras para o centro do debate. Precisamos gritar ao povo negro: SOMOS OS ÚNICOS ELEITORES DO MUNDO QUE ELEGEMOS NOSSOS INIMIGOS. Para reverter todo esse entulho que desgraçará ainda mais a vida de nossas famílias, como o congelamento por 20 anos dos Direitos Sociais, precisamos eleger os nossos. A maioria da população brasileira, que é negra, vem ao longo do tempo empoderando pelo voto aqueles que, uma vez eleitos, destroem   seus direitos – seja pela ação ou omissão dessa elite eleita.

2018 promete, precisamos utilizar caminhos alternativos e inovadores para alcançar o voto negro – sempre desdenhado pelos donos do poder. Blogueirxs, artistas, ativistas, youtubers, agitadorxs culturais, personalidades, poetas e escritorxs precisamos construir com rapidez uma usina disruptiva para eleger uma bancada relevante de negros e, sobretudo, de negras em outubro próximo.

Um Fundo de Campanha relevante para as candidatas negras pode vir a ser o início de uma virada de jogo. Seria mágico em 01 de janeiro de 2019 termos dezenas de mulheres negras tomando posse num congresso machista e racista. O começo de uma profilaxia política em Brasília.

Marielle-Presente

Marielle Franco

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DE QUEM SE ROUBA MESMO NO BRASIL?

21 sexta-feira abr 2017

Posted by Helio Santos in aristocracia, Corrupção, Cota de 100% para Brancos, Equidade Racial, Questão Racial, racismo

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afrobrasileiros, Brasil, brazil, cidadania negra, colarinho branco, corrupção, democratização do brasil, democratizar, negros brasileiros, netflix, questão racial

Ainda menino, já ouvia meus pais, parentes e vizinhos reclamarem da “roubalheira” do mundo da política. Falava-se abertamente, como ainda se diz hoje, e lá se vai mais de meio século. Na infância eu já matutava comigo: de quem é que se rouba.

Hoje, posso bem compreender porque se rouba há tanto tempo sem parar. Uma ação continuada, perene, inesgotável, que se reinventa ao longo do tempo, um monstro que se realimenta pela impunidade. Tanto roubo, por tanto tempo, nos induz a um raciocínio elementar: as vítimas têm baixa capacidade de se defender.

Vamos mostrar aqui no nosso Blog que a citada “roubalheira nacional” não se atém apenas ao mundo da política. Tem-se articulações que atuam de forma a estabelecer sólidos consórcios entre a política, o mundo empresarial, a justiça e a mídia. Bastaria um desses elos se desprender para quebrar uma estrutura que deve ser responsabilizada pelo fato do nosso País ser um dos mais desiguais do mundo, a despeito de ser muito rico.

A impunidade é o combustível que toca essa máquina geradora de subcidadania. Explicando: impunidade para homens brancos bem-nascidos ou bem postos na sociedade. Não deixa de ser verdade que a impunidade, nos últimos tempos, vem sendo quebrada em parte, mas se fôssemos prender todos os chamados criminosos do colarinho branco os encarcerados, cerca de 700 mil, teriam que abrir espaços, pois faltariam cadeias.

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Presos rebelados na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte

Algumas personas têm sido presas e após algum tempo, mediante delação premiada, com “direito” à tornozeleira, são liberadas para ficarem em suas confortáveis casas – algumas são verdadeiros clubes – bebendo vinho e vendo Netflix.

Fala-se em roubos e em ladrões, mas quase nunca se fala sobre quem, afinal, é roubado! É preciso demonstrar como o mundo dos negócios e da política se retroalimentam de forma a lesar profundamente grande parte da população ocasionando a subcidadania crônica que maltrata o Brasil profundo, de carne e osso e como a mídia acaba sendo o cão de guarda dessa sinecura secular.

A princípio, rouba-se do Tesouro Público (Federal, Estadual ou Municipal). O Tesouro Nacional sempre foi um cofre aberto para diversos aproveitadores da iniciativa privada em conluio com agentes públicos. Há muito tempo a gestão desse campo tem sido entregue a banqueiros e empresários travestidos de secretários e ministros que mantêm escancarado as burras públicas; espécie de raposas zelando pelo galinheiro. A drenagem de dinheiro se dá pela sonegação pura e simples, pelas concorrências fraudadas e superfaturadas, pelos financiamentos a juros generosos, pelas isenções fiscais seletivas, pela gestão kamikaze das empresas públicas e pelas concessões altamente lucrativas; tudo guarnecido por uma mídia dependente de publicidade (privada e governamental) e de concessões do setor público.

Quando se deixa de recolher impostos pagos pelos cidadãos-consumidores, ou quando uma obra que vale 200 milhões recebe o dobro desse valor, ainda quando concorrências são viciadas, remédios são superfaturados, empréstimos públicos são concedidos com juros generosos a empresas sem nenhum compromisso público ou ainda quando políticos invadem empresas e bancos públicos nomeando “gestores” a soldo de seus interesses, acaba se tendo farta drenagem de recursos (dinheiro público) que vão enriquecer famílias e grupos. Tal enriquecimento que ocorreria em função do próprio sistema capitalista, nesse caso é maximizado de forma a potencializar fortunas da fauna que rouba o Brasilzão desde sempre. Ora esses desvios se dão em detrimento de quem? Quem perde em sua vida por isso, afinal?

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Teleférico da Favela do Alemão

Afirmar que o roubo é contra a população brasileira; a rigor não seria errôneo. Porém, o rol de maldades que inferniza a vida dos brasileiros incide de maneira seletiva e não homogênea como algumas narrativas simulam. As creches e escolas infantis não construídas, tão importantes para a formação de uma pessoa, a escola fundamental em período integral, os postos médicos e hospitais de qualidade, as políticas preventivas de saúde, a ausência de saneamento básico – suma vergonha de um país rico -, a ausência de consistentes políticas habitacionais e agrícolas de cunho popular e, finalizando, a absurda qualidade do transporte coletivo são fatores que oneram diretamente aos mais pobres e necessitados.

Como se sabe a pobreza no Brasil tem cor e procedência – todos os estudos internos e externos confirmam isso: IPEA, PNUD, IBGE, Banco Mundial etc. Ainda assim, todo o clamor do dito campo progressista no presente momento de regressão de direitos, quase nunca traz à tona esse singular aspecto que é notado por todo estudioso estrangeiro que se detém a decifrar o País do futebol e das favelas. O que alguns analistas denominam “maioria desorganizada” são os descendentes de escravizados e indígenas. Quando se clama contra o “desmonte do país”, não se identifica os perdedores principais dessa tragédia. As escolas particulares, os planos de saúde, os automóveis e os condomínios onde balas não se perdem, são bens e espaços onde a esmagadora maioria negra não chega, evidenciando que o desmonte é engendrado contra essa massa preferencialmente. O Brasil tem sido reiteradamente saqueado de forma tão impune porque os espoliados erm sua grande maioria são negros (pretos + pardos). Assim como são aqueles que morrem por homicidios e são ainda a esmagadora maioria dos encarcerados no indecente sistema prisional brasileiro.

Fui durante muito tempo um ativista que buscou dialogar com a sociedade – sistema político, judiciário, mídia, mundo empresarial e intelectual -, mas reconheço que chegou um momento de operar noutro patamar. A rigor, na maioria das vezes, estivemos em nossas lutas por nossa própria conta e risco; com o silêncio de parte importante da intelectualidade e partidos, mas sempre com a mídia em oposição feroz.

O desmonte dos direitos sociais feito em escala alucinante: precarização do trabalho, reforma trabalhista e previdenciária, congelamento dos investimentos em Educação e Saúde, são petardos armados contra a já combalida (sub) cidadania negra.

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Três Poderes – Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal

O tamanho do desastre requer considerar a possibilidade de desobediência civil face à completa desmoralização das autoridades que ao longo do tempo usurparam e/ou permitiram que os recursos que potencializariam a cidadania não cumprissem seu sagrado papel. Essas forças em uníssono – não necessariamente acordadas entre si, em covarde, mas não inocente silêncio – produziram um País rico habitado por massas de empobrecidos. A desigualdade é o galardão dessa gente. Eles a produziram com zelo ibérico contra negros e índios. A absoluta ilegitimidade dos entes políticos que presentemente desenvolvem uma agenda regressiva no País (contra os interessess das maioriais) se configura pelo elementar fato de que nenhum deles foi eleito propondo tais medidas. Trata-se de traição àqueles que os empoderaram com o mandato pelo voto popular. Nada pode ser mais nefasto do que isto para uma democracia: o representante operar contra o seu representado.

A população negra representa 53% da população brasileira. Esse público ainda não foi às ruas, mas precisa explicitar que o golpe parlamentar personifica não apenas golpistas, mas, sobretudo, racistas. Temos de construir nossas agendas específicas já. 2018 ainda está longe, mas negros não domesticados por partidos precisam se posicionar radicalizando na democracia que nunca existiu em Pindorama. Nossa agenda tem de influenciar as políticas macroeconômicas. A juventude e as mulheres têm de estar no centro desse embate em virtude de serem os sub-grupos mais vulneráveis em nosso segmento.

Como sempre intui: somos os derradeiros subversivos do Brasil. Temos de construir uma nova ordem onde a igualdade de oportunidades seja a essência do regime a ser conquistado. Mais uma vez seremos parte da solução, jamais o problema. Vamos democratizar o Brasil.

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Vamos democratizar o país?

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#OscarSoWhite

28 quinta-feira jan 2016

Posted by Helio Santos in boicote, Questão Racial, racismo, Visibilidade dos Negros

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#OscarSoWhite, academia, boicote, Hollywood, Jada Smith, Oscar, Spike Lee, The Oscars, Will Smith

Se há um defeito que a sociedade americana não tem é a de recusar a boa polêmica, quando direitos são infringidos. Ela tem defeitos, como todas as demais sociedades têm, mas é extremamente sensível no campo dos direitos civis. Denuncia e enfrenta sem medo: racismos, crimes ambientais, homofobias, violências – essa lista não tem fim.

Dois anos seguidos sem que nenhum negro/a tenha sido indicado/a para o Oscar foi o suficiente para que atores, atrizes e diretores negros reclamassem da Academia de Hollywood. Afinal, são 20 indicações por ano; o que perfaz 40 indicações sem que nenhum negro tenha sido lembrado. O comunicado de Spike Lee em seu Instagran: “nós não podemos apoiar isso…”, foi a senha para que diversos outros fizessem coro com ele na direção do boicote. Will Smith e sua mulher Jada se sentiram “desconfortáveis em participar e apoiar o evento” – eufemismo descarado do casal.

Faz sentido a reclamação. Explico-me: costumo aplicar um teste ao ficar “sapeando” na TV por assinatura as dezenas de filmes que são exibidos simultaneamente e me impressiona a quantidade de participantes afro-americanos. Nos EUA os negros são minoria: cerca de 13% da população. Impressiona a quantidade, e a respectiva qualidade, desses profissionais. Os escritórios de Hollywood são muito sensíveis à lucratividade dos filmes. O talento negro no campo artístico – música, dança, teatro, cinema – dá lucro. Ninguém age por benemerência nesse campo. Trata-se de business.

Sendo assim, a indústria de Hollywood é atenta aos artistas negros que já estão boicotando a premiação do Oscar deste ano.

Hoje, já se lê na imprensa brasileira – ela teima em interpretar errado a questão étnico-racial -, besteiras do tipo: os negros são minoria frente aos latinos e têm muito mais indicações para o Oscar do que estes (Folha de S.Paulo, 26.01). Confesso que não sei se é erro ou má fé. Trata-se de uma comparação inconsistente. O protagonismo da população negra lá, se inicia no século 17. Os latinos – brasileiros inclusos – invadem a praia nos séculos 20 e 21! Não se considera o talento e a tradição dos afro-americanos no cinema. O público mundial da 7ª arte aprecia o talento afro-americano.

Tradição & Talento

No passado, atores como Sidney Poitier, Sammy Davis Jr e Bill Cosby, brilharam em filmes inesquecíveis. Depois, teve-se intérpretes do porte de Morgan Freeman, Denzel Washington, Eddie Murphy, Danny Glover, Will Smith, Jamie Foxx, Cuba Jr, Forest Whitaker, Samuel L. Jackson e Idris Elba. Sei que faltam muitos nomes; não posso lembrar de todos. Mas tem ainda o comediante Chris Rock, que deverá ser o apresentador da premiação do Oscar em 28 de fevereiro próximo.

Quanto às atrizes – todas elas maravilhosas -, há um set fantástico com Whoopi Goldberg, Halle Berry, Viola Davis, Lupita Nyong’o, Kerry Washington, Stacey Dash, Rosario Dawson e muitas outras. Não devo esquecer de duas atrizes bissextas que fizeram imenso sucesso nas telas (de fato, são grandes cantoras): Beyonce e Whitney Houston.

O boicote proposto ocorre pelo fato de as escolhas não refletirem a qualificação que os negros a duras penas conquistaram ao longo do tempo.

 

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A partir do alto e da esquerda: Bryan Cranston, Matt Damon, Michael Fassbender, Eddie Redmayne, Leonardo DiCaprio, Brie Larson, Saoirse Ronan, Charlotte Rampling, Jennifer Lawrence, Cate Blanchett, Mark Rylance, Christian Bale, Tom Hardy, Sylvester Stallo (Foto: Reuters)

A branquitude nos EUA é menos tolerada do que nessas paragens tropicais. Lá não engolem cotas de 100% para brancos. Quando vi a lista dos 20 indicados, não tive como deixar de associar ao Brasil de carne e osso, onde todas personalidades positivas são brancas sem que se estranhe muito, pois está no “piloto automático” da inércia sócio-cultural do País.

 

O recuo da Academia

 

A palavra-chave para o debate sobre o Oscar é Diversidade. A ameaça de boicote fez com que a presidente da Academia de Hollywood, Cheril Boone Isaacs, que é negra, prometer futuras mudanças. Hoje, cerca de 6.000 associados-eleitores escolhem os nomes premiados para o Oscar, a maioria homens brancos com mais de 50 anos. Prometem duplicar o número de mulheres em busca de maior diversidade, o que não significa salada de frutas porque requer gestão. Chris Rock está reescrevendo o seu monólogo de abertura abordando a baixa diversidade dos premiados – uma autêntica saia justa global que será acompanhada ao vivo por milhões de pessoas em mais de 200 países.

Will Smith, um dos primeiros a reclamar, segundo a revista Forbes, detém o maior salário de Hollywood – cerca de 80 milhões de dólares (320 milhões de reais) recebidos em um único ano. Enquanto isso, aqui no Brasil, muitas vezes, quando um negro começa a ganhar dinheiro e fama ele se acovarda e “derrapa” frente à questão da identidade racial: tem negro boleiro que se diz “branco”; há cantor filho de outro cantor negro que revela ter sofrido preconceito porque é “branco”… Sempre houve e haverá boas exceções – eu sei.

 

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Spike Lee, Jada Smith e Will Smith – Foto: blackFilm.com

Will Smith, sua mulher Jada, Spike Lee e diversos outros afro-americanos não têm do que reclamar quanto ao sucesso, fama e dinheiro. Há muito mais em jogo: exigem reconhecimento e respeito – sabem que têm talento. Há brio também.

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Sair da Zona de Conforto

26 quinta-feira nov 2015

Posted by Helio Santos in boicote, cotas raciais, movimentos sociais, Mulheres Negras, racismo, Radicalizar na democracia

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boicote, garota da tijuca, marcha das mulheres negras, movimento negro, Oi, oi telefonia

A Marcha das Mulheres Negras foi o fato mais importante e inspirador no campo das relações raciais neste ano que caminha para o seu final.

Ao longo desses meses de 2015, diversas foram as vezes em que o racismo escancarou as suas garras de forma explícita na terra brasilis. É importante reconhecer que no Brasil os impedimentos étnico-raciais (discriminação, perseguição, preterimento, abusos avulsos) costumam funcionar – e bem – com base na dissimulação, artefato básico do “racismo cordial”, subproduto tardio da “Democracia Racial”.

Não estou aqui sugerindo que prefiro as garras explícitas do racismo – eu batalho contra ele em quaisquer de suas “mil caras” que vêm como num calidoscópio; para cada contexto tem-se uma faceta nova. Sou do tempo em que os anúncios de emprego, ao requisitar uma simples datilógrafa – eu juro que havia essa especialização –, exigiam “Boa Aparência”. Todo mundo, sobretudo os gestores de recursos humanos, sabia que essa era a senha para vetar negras e negros à vaga.

Nos tempos atuais, além da explicitação do racismo contra figuras conhecidas e reconhecidas, houve diversos casos de agressão nas universidades a alunos/as e educadores/as. Evidente que não se contam aqui os 63 jovens negros que morrem a cada 24 horas por homicídio (dados de 2012). Junto com as formas mais agudas dos diferentes tipos de discriminação racial, continuou-se a ter o tempo todo o tradicional racismo institucional brasileiro – sua idade é a do País: 515 anos; está em nosso DNA.

No dia 20 – precisamente no Dia Nacional da Consciência Negra – três trabalhadores negros foram agraciados com uma agressão recorrente a negros: bananas. Bem, a história do bar Garota da Tijuca já virou meme. A virulência dos casos recentes de racismo tem a ver em grande medida com a “zona de conforto” em que o Movimento Negro estacionou há algum tempo. Rigorosamente, não existe “conforto” para a população negra em situação alguma, sobretudo no presente momento de aumento do desemprego e precarização do trabalho (desempregados fazendo bicos ou reempregados com salários aviltados). A precarização do trabalho no Brasil tem cor e também gênero. Portanto, não há motivo para a baixa pro-atividade atual do ativismo negro. Não há brindes no particular campo da cidadania: ou se conquista ou não se tem. Passou – sim – da hora da reação.

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Garota da Tijuca/ Foto divulgação: Bar no qual dois entregadores negros receberam duas bananas no Dia Internacional da Consciência Negra.

Nesse ano, a SEPPIR, resultado de uma luta antiga para que o Estado brasileiro reconhecesse a necessidade de políticas específicas para a questão racial, perdeu o status de ministério – um pesado retrocesso particularmente doloroso para os ativistas de minha geração. O movimento que até 2011 induziu por sua conta e risco mais de 100 universidades públicas a adotarem as ações afirmativas (cotas) e que alimentou o STF com argumentos para vencer por unanimidade iniciativa do DEM (2012) contra as cotas raciais, se quedou inexplicavelmente ao conservadorismo reacionário que se amplificou no País a partir do congresso nacional.

A vida flui é no cotidiano; constatação que fiz nos anos 1990, quando decidimos captar dados da mídia impressa – jornais e revistas, sobretudo – para analisar como se materializava no Brasil a subcidadania imposta à população negra. Ao catalogar e classificar o farto material coletado ao longo de quase 10 anos, constatamos que observar os fatos do dia a dia permitia decifrar o bicho de duas cabeças que caracteriza o que denominei: trilha do círculo vicioso.

As duas cabeças da centopeia são óbvias: de um lado, a sociedade secularmente racista e dissimulada, e de outro a própria pessoa negra com o racismo introjetado em sua cabeça. Claro, que a introjeção é ocasionada por motivos operados pela sociedade, mas não se discute isso aqui agora. No Brasil, a reação negra vem com dificuldades em virtude de causas que explicamos na trilha do círculo vicioso – uma ideia em aberto.

A fraqueza da população negra na sociedade brasileira é aparente, pois ela é maioria. Os negros compram, veem TV, votam, têm conta bancária e podem se mobilizar para constranger, convencer, seduzir e vencer obstáculos – democraticamente.

Já falei da estratégia de produzirmos boicotes bem engendrados. Ações que podem atrair também a adesão de não-negros. Estabelecimentos públicos, como o bar do Rio, redes de TV (ou determinados programas específicos da rede), marcas, bancos etc. A última propaganda da OI para a TV, traz uma multidão de consumidores, mas esconde o principal cliente da campanha. Trata-se de uma campanha que anuncia um produto de 10 reais!

As empresas que invisibilizam os negros não merecem tê-los como clientes – simples assim. A emoção e força ancestral trazidas pela Marcha das Mulheres Negras no último dia 18 está a inspirar as/os ativistas a iniciar um novo momento que exige ousadia, organização, unidade e força – tudo o que se viu naquele monumental encontro.

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Brasília – Marcha das Mulheres Negras – Foto: Marcello Casal Jr./ Agência Brasil

 

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O Preço Do Sucesso Para Os Negros

04 sábado jul 2015

Posted by Helio Santos in Questão Racial, racismo

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Maju, Maju Coutinho, Maria Julia Coutinho, questão racial, racismo

O episódio lamentável do esdrúxulo caso de racismo cometido contra Maria Julia Coutinho – a Maju – deve ser visto em sua exata dimensão. O destaque de negras e negros incomodam. A comunicadora Maria Julia tornou-se uma febre televisiva. Conquistou um estupendo sucesso numa área cinzenta dos noticiários – com o perdão do sentido duplo da palavra – em que a mesmice é a marca, que é a da informação do tempo. A criatividade, carisma e beleza de Maju fizeram com que O Jornal Nacional – principal programa da Rede Globo – passasse a ter como atração a comunicadora que fala da previsão do tempo!

Foto divulgação/ TV Globo: Maju Coutinho

Foto divulgação/ TV Globo: Maju Coutinho

Para quem conhece Maria Júlia desde a adolescência como eu o seu sucesso seria questão de tempo. Este ataque poderia ser letal caso ela não fosse filha de quem é. Seus pais, amigos meus de longa data, são educadores e ativistas. São daqueles ativistas sóbrios e firmes em suas posições, mas proativos e muito focados na educação, como professores que são. Portanto, ela soube desde sempre, com os pais que tem, dos meandros do racismo brasileiro. Vai tirar de letra essa estupidez, pois tem autoestima positiva e pleno conhecimento da causa dos ataques sofridos: seu sucesso espetacular! Menos mal. Sua carreira que é sucesso desde a TV Cultura vai continuar em ascensão.

Comentaram comigo a respeito dos ataques e, confesso a vocês, não me dei ao trabalho de lê-los. Me horrorizam as frustrações de pessoas adoecidas. Não se trata de fuga, mas sim de um tipo de compreensão que há muito tempo tenho sobre o funcionamento da discriminação racial aqui em nosso injusto país.

Portanto, estou tranquilo quanto à Maria Julia – filha de um casal de amigos queridos. Entretanto, vou aproveitar para analisar este episódio – que não é um fato isolado – em “sua exata dimensão”.

De início, gostaria de fazer uma advertência aos meus leitores: esse tipo de agressão contra negros de sucesso deverá aumentar. Em meados dos anos 1990, quando coordenava um Grupo de Trabalho encarregado de colocar na agenda pública as políticas afirmativas para negros, dentre os diversos debates sobre os impactos estratégicos positivos que o Brasil teria com aquelas políticas – fato hoje comprovado por diversos estudos –, especulávamos sobre o fato de que ainda teríamos no futuro uma onda de racismo explícito. Sim; porque racismo à brasileira sempre se teve: todos negam serem racistas e todos conhecem diversas pessoas racistas! Uma verdadeira “obra prima” da hipocrisia nacional. Aquela especulação se convalida a cada vez mais.

Todavia, o que especulamos há cerca de 18 anos atrás naquele Grupo de Trabalho precursor foi sobre os efeitos das políticas afirmativas num país racista, em virtude da emergência de negros em destaque: diretores de grandes corporações, juízes, políticos, profissionais liberais, reitores, cientistas e profissionais do mundo da comunicação, dentre outros.

Vivemos num país em que a filha de um governador negro foi agredida e empurrada por um casal para fora do elevador social de um prédio de luxo. O fato se deu em Vitória, capital do Espírito Santo, em 1993. Para os agressores “uma empregadinha” não podia estar ali. Aliás, a ideia de elevador social e de serviço é um escândalo “apartheista” que resiste bravamente aqui em pleno século 21.

Foto divulgação: Benedita da Silva

Foto divulgação: Benedita da Silva

A ex-governadora e ex-favelada, hoje deputada federal, Benedita da Silva, pagou o seu preço (muito caro) quando governou o Rio de Janeiro. Celso Pitta, quando prefeito da maior cidade da América do Sul, foi tratado por entrevistadores de TV como marginal fosse. Joaquim Barbosa, que nunca foi conservador, pelo contrário, ao ser considerado como o brasileiro mais influente, apontado como provável presidente da república, pediu aposentadoria, quando dispunha de um bom tempo para se manter no STF – local onde todo jurista sonha estar e permanecer… Quando presidente da Suprema Corte sofreu agressões explícitas; inclusive em solenidades públicas, como na Câmara dos Deputados.

Foto divulgação: Joaquim Barbosa

Foto divulgação: Joaquim Barbosa

Negros e negras que se destacam, em qualquer contexto, correm riscos no Brasil. Nossos erros e eventuais falhas contam contra nós negros – sim. Mas contam menos do que o nosso sucesso. Este último costuma ocasionar mais danos para nós do que os primeiros. Por isso, os ataques à nossa Maju não representaram para mim algo inusitado. Lamentável – sempre –; mas previsível para quem se dedica a decifrar o “brasil de carne e osso”.

Não sou uma Cassandra que crê que tudo vai piorar sempre. Acredito num futuro em que medidas como as previstas pela Lei 10639/2003 possam fazer com que a diversidade étnico-racial brasileira seja utilizada como um trunfo; um valor estratégico invejado por outras nações.

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13 de Maio – E o dia seguinte?

14 quinta-feira maio 2015

Posted by Helio Santos in Questão Racial, racismo

≈ 1 comentário

Há 127 anos atrás a princesa regente Isabel assinava a lei 3.353 que ficou conhecida como “Lei Áurea”. Não se sabe de outra lei tão curta como essa na história jurídica do país. Vejam o texto em português arcaico:

“Art. 1º É declarada extincta desde a data d’esta lei a escravidão no Brazil.

Art. 2º Revogam-se as disposições em contrário.”

Atos jurídicos publicados no Diário Oficial não têm força para produzir cidadania de fato. A escravidão colonial mais longa do mundo se deu aqui – durou mais de 350 anos.

Há muito tempo, trabalho com a síndrome do dia 14 de maio de 1.888 – o dia seguinte ao fim da escravidão. Houve até uma peça montada sobre essa ideia. Esse dia é o mais longo dos nossos 515 anos. Pode-se sentir os restos desse dia nas casas que desabam, nas cadeias, nas esquinas, nos bairros mais carentes, nas chacinas. Enfim: em todo lugar onde restar subcidadania e pobreza.

Ponto de consumo de Crack em São Paulo, a chamada Cracolândia. (Nelson Antoine/Fotoarena)

Ponto de consumo de Crack em São Paulo, a chamada Cracolândia. (Nelson Antoine/Fotoarena)

Seria tudo bem diferente se a lei tivesse entre seus 2 artigos, o texto abaixo:

“Art. 2º O império organizará uma comissão que no prazo máximo de hum anno apresentará um plano para a efectivação da medida tomada nesse acto. Enquanto tal facto não se der o tesouro do império arcará com as despesas de manutenção dos libertos.”

Não foi assim. A ideia era soltar o povaréu negro e aumentar o efetivo das brigadas militares; as PMs daquela época. Foi o que se fez. Em seguida, estimulou-se ainda mais a imigração europeia. O país não era uma maravilha, mas já estava funcionando há 350 anos. Hoje, ainda se vê quem reclame das políticas de ações afirmativas que buscam arrefecer os efeitos do dia 14 de maio que ainda nos persegue em pleno século 21.

A data tornou-se feriado nacional, mas em 1930 revogou-se a comemoração. Foi certa a medida. Comemorar o quê?

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Racismo e Impunidade no Brasil

02 sábado maio 2015

Posted by Helio Santos in racismo

≈ 7 Comentários

Apesar de os estudos da Genética afirmarem que não há raças na espécie humana, o que não falta no mundo são racistas – dos mais variados tipos. De fato, os estudos confirmam aquilo que os espiritualistas sempre disseram: os humanos são uma espécie muito homogênea. A cor da pele, por exemplo, fator crucial para uma ação racista, é resultado de adaptações biológicas que o organismo humano desenvolveu ao longo do tempo para se proteger. Para o calor da África: pele mais escura e cabelo crespo para se proteger do sol. Na gelada Europa, pele clara para sintetizar a vitamina “D”. De qualquer forma, os humanos surgem no planeta na região que hoje se denomina África. Portanto, o homo sapiens não era um tipo que hoje poderia ser chamado branco.

No Brasil há muita dissimulação, mas em inúmeras ocasiões o racismo tem vindo à tona com todos os seus dentes. Segundo o professor Joel Rufino dos Santos, o brasileiro vem “perdendo a vergonha” de ser racista. Durante muito tempo o racismo veio metamorfoseado por uma verdadeira “arte” que se desenvolveu nesses trópicos ao longo do tempo: o fingimento como filosofia nacional. A expressão “democracia racial” é um insulto à inteligência brasileira e, em particular, à dos negros.

IMPUNIDADE

Nos últimos tempos têm havido atos explícitos de racismo. O campo esportivo é um dos setores que tem maior destaque. Todavia, não é nesse setor que os negros têm o maior prejuízo. Além da violência policial, há a discriminação no mercado de trabalho, por exemplo.

Um caso que chamou a atenção do país se deu em 2012, quando uma anciã, em plena avenida Paulista, no coração de São Paulo, ofendeu duramente a três pessoas negras em um shopping. O esporte dessa megera é xingar e menosprezar negros por todos os lugares onde vai: porteiros, balconistas e transeuntes. As ofensas são do tipo: “macaca, eu não gosto de negro”; “negros imundos” e “eu sou superior a vocês, porque sou descendentes de alemães”. À primeira vista, alguns dirão tratar-se de uma louca. Ledo engano: ela nunca foi vista rasgando dinheiro e nunca tentou pular debaixo do metrô.

A decisão final desse caso ocorreu em abril no Tribunal de Justiça de São Paulo. Em primeira instância, a racista já fora condenada a 4 anos em regime semiaberto (ela tem 73 anos). Essa pena de reclusão foi agravada com a exigência de indenização de R$28.960 para cada uma das três pessoas ofendidas. Foi uma boa decisão: mexer no bolso de pessoas e organizações racistas pode vir a ser uma forma eficaz de atenuar o racismo. Todavia, houve recurso e a pena em regime semiaberto se transformou em aberto. Ou seja, a pena será cumprida em casa. Para aqueles que alegam a idade avançada da criminosa é importante lembrar que os canalhas também envelhecem. A pena pecuniária também caiu. O bolso de Davina Aparecida Castelli não sofrerá danos. A condenação foi positiva, mas inócua. Além de não ser presa em uma cadeia, a condenada nada pagará.

É FUNDAMENTAL REAGIR

A parte positiva dessa história foi a reação de uma das vítimas que levou o caso até o final com determinação e firmeza: Karina Chiaretti “não deixou “barato”.

Karina, quando foi vítima das ofensas verbais, estava em companhia de sua filha de 9 anos e a sua fala revela uma posição que precisa ser difundida: “Não foi exatamente a pena que a gente esperava, mas foi um ganho para toda a comunidade negra. Para todos é uma vitória porque esta causa não é única. É pela minha filha, pelas nossas crianças”.

A corretora Karina Chiaretti - Foto: Fábio Braga, Folhapress

A corretora Karina Chiaretti – Foto: Fábio Braga, Folhapress

Para orgulho meu, Karina é minha sobrinha e afilhada. Cresceu ouvindo de sua família: pais, avós e tios que ela era bonita, inteligente e que merecia o que há de melhor na vida. Autoestima positiva e consciência racial. Sua atitude deixou claro para mim que o diferencial está de fato na educação e postura familiar. As pessoas não necessitam ser ativistas, mas têm de ter consciência racial. É lamentável a forma como reage algumas personalidades negras, especialmente esportistas e artistas em geral. Fogem da raia, em vez de se defenderem. Costumam dizer: “vou deixar barato”. Erro: sai caro duas vezes. Primeiro, aquela ofensa fica “atravessada” na mente do ofendido que não reagiu, pois “guardou” para si aquilo. Depois, o ofensor se sente impune para “repetir a dose” com outras pessoas negras. Reagir é sempre positivo – sempre.

O pior racismo é o institucional; que eu sempre denominei inercial. A própria justiça, quando não mantém uma decisão que pune de fato o racismo; a máquina pública (polícia inclusa). Enfim, a engrenagem social e política que naturalizou o racismo. Isto ocorre ainda, apesar da posição do STF a favor das ações afirmativas, o que denota o reconhecimento do racismo na sociedade brasileira. Por essa situação, em pleno século 21, temos de radicalizar nas políticas públicas específicas.

Mas, simultaneamente, ações como a de Karina Chiaretti têm de se tornar uma rotina em nosso cotidiano. Cessada a fase criminal, minha sobrinha recorrerá à instância cível na busca dos seus direitos ofendidos. Respeito e cidadania não vêm como brindes. Você tem de conquistar sem medo.

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Te Dou Um Doce

28 quarta-feira jan 2015

Posted by Helio Santos in eleições, Homofobia, LGBT, racismo, Te Dou Um Doce, violência

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eleições 2014, exército, homicídios de jovens negros, homofobia, LGBT, mulheres negras, pergunta do mês, Te Dou Um Doce, violência

BCO DoceDeLeite BCO

Antigamente se dizia: “Quem acertar ganha um doce”. Com esse senso de humor, lanço algumas questões/reflexões sobre o “Brasil de Carne e Osso”. Quem responder/decifrar de forma mais instigante será “premiado” com a publicação de sua resposta. 🙂 Para participar deixe sua resposta nos comentários sem esquecer de colocar nome e e-mail. Use seu poder de síntese.

Um abraço.

PERGUNTA 1 – O que justifica em pleno século 21 o exército se posicionar contra a lei que combate os danosos efeitos da homofobia?

PERGUNTA 2 – Até quando a sociedade brasileira – governos, parlamentos, poder judiciário, academia, partidos políticos, mídia e a própria sociedade civil – vai continuar a ser conivente pelo seu silêncio com a mortandade alucinante de jovens negros no País?

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